O aroma do café invade as manhãs na minha casa. Gosto de vê-lo escorrendo pelo coador para moldar-se em seguida nas xícaras. A cor escura fumegante pede uma reverência antes de tocá-lo para que se mostre em nossas bocas. Adoro café.
Aprendi a gostar do café durante a faculdade de medicina no Fundão (UFRJ), mas as duas experiências não muito agradáveis relacionadas ao café/cafeína surgiram enquanto fazia o doutorado no departamento de Psicobilogia (UNIFESP). Devido às exigências do curso, enchíamos a cara de café o dia inteiro – havia duas garrafas quase sempre cheias no departamento. Isso começou a atrapalhar meu sono, demorava a dormir e percebia pequenos despertares no meio da noite. Coloquei um pouco o pé no freio e melhorou. A outra, precisei fazer um exame e o otorrinolaringologista prescreveu CAFÉ ZERO durante dois ou três dias, não lembro, pois pareceram muitos. Eu desacelerei. A sensação era de que tudo acontecia lentamente. Meu cérebro queria cafeína para funcionar no modo normal, no mínimo. Após fazer o exame, parei em uma das lanchonetes próximas ao hospital e pedi uma xícara de café. Quando entrou, explodiu na minha cabeça, mistura de prazer e poder. O “barato” durou uns cinco segundos. Fora sexo, era careta. Percebi que estava viciado nesse líquido maravilhoso. Pela segunda vez, pisei mais fundo no freio. E a pós-graduação continuou.
Um estudo recente mostrou que a dificuldade que tive para dormir, assim como muitos outros têm, ao beber grandes quantidades de café está associada à interferência da cafeína no “relógio biológico”, atrasando-o. Os autores propuseram aos voluntários o consumo de cafeína equivalente a um café expresso duplo antes do horário que costumavam deitar – o estudo durou 49 dias. Ao final, observaram que eles adormeceram aproximadamente 40 minutos depois do horário habitual. Este atraso foi quase metade do produzido pelo uso da luz intensa três horas antes de deitar – para lembrar, a luz é o mais importante estímulo sincronizador dos relógios biológicos. Além disso, mostraram que a interferência no relógio biológico ocorre por meio do antagonismo da cafeína nos receptores da adenosina. Reunidos, esses resultados demonstraram que a cafeína, a droga psicoativa mais consumida no mundo, influencia o relógio biológico humano.
Então, a recomendação continua valendo, aproveitem tudo o que o café oferece, mas, principalmente aos mais sensíveis, evitem o café ou qualquer bebida/comida que contenha cafeína após o entardecer.
Fonte: Burke TM, Markwald RR, McHill AW e cols. Sci Transl Med, 7(305): 305, 2015.
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